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Entrevista com Jerusha Chang

 

Texto: Cássia Candra (28 de julho de 2012)

 

Jerusha foi discípula e tradutora do mestre Liu Pai Lin durante 23 dos 25 anos que ele viveu no País. Curitibana de nascimento, filha de pais chineses, ela teve o primeiro contato com “a prática que harmoniza o homem com a natureza” ainda criança, vendo o pai e o irmão praticando no quintal de casa. “Aquilo me tocou muito”. Anos depois, Jerusha encontraria seu mestre. Para ela, o Tai Chi Pai Lin, hoje adotado nas bases de saúde pública de São Paulo, é um aprendizado para uma vida longa, saudável e plena.

 

O que diferencia o estilo que ficou conhecido como tai chi pai lin de outros estilos de tai chi chuan? 

 

Originalmente, o tai chi chuan é uma prática taoísta. Chang San Feng era um mestre taoísta que colocava o tai chi chuan em primeiro lugar, como uma prática para o despertar da espiritualidade e a busca da saúde. Então, o tai chi chuan que o mestre Pai Lin trouxe para o Brasil mantém essa origem taoísta, dessa prática da serenidade com raiz no movimento. Mas, infelizmente, a maioria das escolas está voltada para o aspecto marcial, o aspecto externo, da forma, da técnica, e se perdeu dessa origem, da prática mais interiorizada que o mestre Liu trouxe.

 

 

Essa foi a contribuição do mestre Liu Pai Lin ao tai chi chuan no Brasil. 

 

Sim, trazer o tai chi chuan na sua origem, enquanto uma prática que tem raiz no treino interno; no despertar das suas raízes; no despertar do nosso ser microcósmico para que a gente possa estar em harmonia com o macrocosmo.

 

Como definiria o mestre Lin? 

 

Ele foi um verdadeiro exemplo da prática taoísta da qual falava. Naturalmente tem uma vida mais longa e depois de velho volta a ser criança. Quando chegou aqui ao Brasil já estava nesse caminho de retorno. Ele falava: “Estou no caminho de volta”. Na verdade, ele já tinha subido a montanha. A gente teve o privilégio de conhecer o mestre numa fase em que ele estava despertando todo o seu potencial. Ele transmitiu para nós beleza e plenitude.

 

E qual foi o seu grande aprendizado em tantos anos de convivência com Pai Lin? 

 

Aprendi que, antes mais nada, o tai chi está dentro de nós, que representa essa unidade do céu e da Terra e que a gente deve reconhecer e preservar dentro de nós. Essa região ao redor do umbigo representa o nosso tai chi. O mestre falava que o tai chi está fora e dentro de nós.

É como se nós tivéssemos a própria representação do yin e do yang em nós mesmos? 

Isso. Reconhecer que você é inteiro quando o seu tai chi está aqui (ela põe as mãos no umbigo). Se você reconhece e abraça esse tai chi, você está unido à natureza. Unido e em harmonia com ela.

É esse reconhecimento que se entende como caminho para a saúde e longevidade? 

Sim, é a nossa raiz de energia. No momento em que a gente reconhece essa raiz e está em contato com ela, não só preservamos a nossa energia, como também estamos abertos para captação da energia divina.

 

Daí vem a força do praticante? 

 

Sim, desse círculo de poder.

 

Hoje, fala-se que esta prática resulta em um ganho de massa óssea e de flexibilidade muscular, e já existe um reconhecimento de que ela é capaz de atuar na prevenção da osteoporose e do mal de Alzheimer. É verdade? 

 

Sim. Já existem pesquisas médicas científicas comprovando esses resultados. Na medicina tradicional chinesa, considera-se que a osteoporose está diretamente ligada ao enfraquecimento da energia dos rins. E o Tai Chi fortalece os rins. Através da movimentação suave e circular, ela massageia os rins e, através da respiração interior, ativa a energia dos rins, dando vitalidade ao praticante. Quanto ao Alzheimer, também podemos dizer que a prática do tai chi chuan atua prevenindo a doença, pois ela relaxa os nervos cerebrais, ativa a energia cerebral e equilibra os dois hemisférios cerebrais, mantendo a mente viva e lúcida com o potencial cerebral desperto. O mestre Liu Pai Lin foi um grande exemplo, pois exibiu, até o final da vida, um corpo ágil e flexível e uma mente viva e desperta, com uma memória fantástica e uma percepção extra-sensorial desenvolvida.

 

Vitalidade, saúde e longevidade seriam então os principais benefícios da prática do tai chi chuan? 

 

Sim. A prática do tai chi acessa essa energia, e a força dessa energia é vital para o organismo.

 

E quem é o público do tai chi? 

 

O público é muito diversificado, porque o tai chi atende às necessidades das pessoas em todas as faixas etárias. Muitas pessoas procuram, porque o tai chi deixa a sua inteligência mais desperta e, para preservar a sua naturalidade, é uma prática ótima. Para o jovem, funciona também como um freio, porque ele tem um ritmo, às vezes, nessa velocidade. O mestre falava: ‘O jovem é uma flor em botão’. Desabrocha muito rápido, mas às vezes murcha mais rápido. No momento em que murcha, envelhece precocemente.

 

Então, a prática traz equilíbrio para as pessoas seja qual for a faixa etária? 

 

Sim. Na minha idade, é uma prática que tem um público muito grande. Porque é quando a pessoa começa a se sentir mais vulnerável às doenças, a baixar a imunidade, então muitos procuram o tai chi para ter essa recuperação de energia. E, atualmente, em São Paulo, a gente vê muitos médicos indicando o tai chi pai lin, porque é uma prática de equilíbrio físico-emocional. Agora mesmo, teve um congresso internacional onde funcionárias da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo apresentaram trabalho de pesquisa sobre a diminuição significativa no uso de medicamentos a partir da prática de tai chi pai lin para problemas crônicos e de ordem psicossomática. Por isso, muitos médicos da rede de saúde pública de São Paulo recomendam o tai chi pai lin para usuários das Unidades Básicas de Saúde.

 

Como funciona isso e como impulsionou o número de praticantes? 

 

É um trabalho pioneiro. São 150 unidades básicas de saúde nas cinco regiões de São Paulo com a prática de tai chi oferecida como saúde pública. O número de praticantes cresceu muito, principalmente a partir da adesão do serviço público. Em 2002, demos formação em tai chi pai lin para 200 funcionários da secretaria da saúde, com o compromisso de eles implementarem a prática em seus locais de trabalho. Na Associação Tai Chi Pai Lin, há um aumento de praticantes, e também de interessados em receber uma formação como multiplicadores para levar às suas cidades. Assim, estamos continuando o trabalho do nosso mestre, que veio aqui para a Bahia também, onde formou muita gente, além de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, Argentina e México.

 

A senhora falou de resultados em congressos, do trabalho que está sendo realizado pelo serviço de saúde pública em São Paulo e do número crescente de praticantes. Isso demonstra a popularidade do Tai Chi? 

 

Sim. Podemos dizer que, hoje, o tai chi chuan já é reconhecido mundialmente como uma prática que dá saúde e equilíbrio às pessoas, garantindo uma vida mais plena.

 

O equilíbrio leva à saúde e à paz? 

 

Equilíbrio, saúde e paz são sinônimos. O equilíbrio é a serenidade interior, mas, ao mesmo tempo, ele é também a vitalidade para lidar com as questões externas, do mundo.

 

A senhora já praticava, antes do encontro com o mestre Liu. Como o conheceu? 

 

Conheci o mestre em 1977, no Brasil há pouco, dando palestras para a colônia chinesa. Já praticava tai chi chuan há dois anos, mas reconheci no mestre Liu meu mestre, que foi me respondendo todas questões existenciais, me dando uma formação de vida e autoconhecimento, permitindo a manifestação plena de meu ser microcósmico. E ele era uma pessoa simples, que nem deixava os discípulos o mistificarem. Era muito humano e participava de nossa vida comum, gostava de comer, beber e viver com alegria. Foi exemplo do caminho taoísta do retorno, pois viveu no Brasil uma segunda primavera com plenitude, saúde e espírito desperto. Tive o privilégio de aprender com o mestre em convivência diária por 23 anos, por isso tenho a responsabilidade de seguir transmitindo seu precioso legado com fidelidade na forma e no coração.

 

Mas, independentemente da presença e da convivência com um mestre, como o tai chi chuan é capaz de nos transformar? 

 

Você fica muito mais tranquilo. A sua relação com as pessoas melhora e a mente também. Além disso, você ganha o despertar da espiritualidade.

 

Muita gente ainda acha a paz interior um abstracionismo e acaba preferindo a companhia do estresse. Por que acha que ainda acontece tanto isso? 

 

Infelizmente, a maioria das pessoas desconhece o próprio potencial de vida, a sua natureza cósmica e divina, e, por isso, vive na ilusão do material e do aparente, vive para o exterior, em detrimento do interior. Daí a importância de divulgar o tai chi pai lin como um legado deixado pelo nosso mestre para o brasileiro se reconhecer, despertar seu potencial e realizar plenamente a sua vida e espírito, fazendo jus à sua condição de ser humano.

 

 

 

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